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Epigenética: O que acontece em Vegas NÃO fica em Vegas

Grazielle Noro

         Loucura, sorte, azar, romance, orgias, luxo... Las Vegas é o palco perfeito para a vivência de experiências intensas recheadas de emoções. Por esta razão, “O que acontece em Vegas fica em Vegas” tornou-se um bordão conhecido servindo-nos como alforria para a intensa ativação dos sentidos, das conhecidas vias do prazer, das descargas de dopamina, epinefrina, noraepinefrina entre outros.

        O bordão tem sido, entretanto, colocado em cheque por uma nova área da ciência – a Epigenética. O que acontece em Vegas parece não ficar em Vegas, mas sim alocar-se diretamente “debaixo da pele” como afirma o autor Steve Hyman (2009) em “How adversity gets under the skin?”

        Facilmente poderíamos escapar dos “efeitos Vegas” optando por não visitar a cidade. A vida cotidiana parece, entretanto, colocar várias facetas de Las Vegas a nosso dispor. Às vezes em menor intensidade e maior frequência, mas ativando, da mesma maneira, nosso organismo, nossas estruturas neurobiológicas. Assim, a Epigenética nos surpreende pela intensidade e seriedade das consequencias de nossos atos abusivos, mas também pelas boas novas de que comportamentos proativos, saudáveis e empáticos parecem moldar quem somos de maneira mais profunda e duradoura do que imaginávamos.

       O termo Epigenética foi definido por Conrad Waddington, em 1942, como um ramo da biologia que estuda como fatores externos e ambientais podem produzir mudanças “herdáveis” ao longo de várias gerações sem que ocorra a alteração na sequencia de genes, o que conhecemos como DNA. Entretanto, provavelmente em função da tecnologia disponível para a pesquisa, somente na última década o campo da Epigenética passou a ser explorado por vários pesquisadores.

       Um dos experimentos epigenéticos mais amplamente reproduzidos cientificamente avalia o desenvolvimento da vulnerabilidade ao estresse. A resposta fisiológica ao estresse avaliada nestes experimentos envolve a ativação do eixo HPA (hipotálamo-pituitária-adrenal) frente a um evento considerado estressor por meio do envio de mensagens químicas – neurotransmissores. Entre os neurotransmissores envolvidos na emissão da resposta de estresse, o hormônio corticotrópico (CRH), as catecolaminas (epinefrina e noraepinefrina), os glucocorticoides (cortisol, corticosterona e cortisona), e o GABA (ácido aminobutírico) têm papel fundamental. O CRH e as catecolaminas atuam como excitadores do sistema nervoso central enquanto os glucocorticóides estão relacionados com o reestabelecimento da homeostase e o GABA com a inibição do sistema nervoso central. Além disso, glucocorticóides e GABA atuam em biofeedback sinalizando para a redução na produção de CRH e catecolaminas. Quando não sintetizados, a resposta fisiológica a um evento estressor é mais rapidamente ativada e tem permanência mais longa no organismo.

        No modelo experimental que avalia a relação entre a vulnerabilidade ao estresse com cuidados maternais, ratas parideiras classificadas em “mães boas” e “mães deficientes” de acordo com a frequência de comportamentos de lamber e acariciar (licking and grooming) e amamentar seus filhotes com a coluna arqueada (arched back nursing). Um procedimento de adoção cruzada foi realizado com dois dos 10 filhotes de cada parideira, ou seja, 8 filhotes receberam cuidados maternais da mãe biológica enquanto 2 filhotes foram adotados pela outra parideira e vice-versa. Os resultados mostraram uma ativação mais rápida e intensa do eixo HPA nos filhotes das “mães deficientes” mesmo com aqueles nascidos de “mães boas” e vice-versa. As gerações seguintes, de netos e bisnetos, apresentaram as mesmas características conforme os cuidados maternos recebidos. Observou-se, portanto, que os cuidados maternais interferem no neurodesenvolvimento do eixo HPA e assim, na resposta fisiológica a um evento estressor.

Como esta transmissão de características relacionadas ao comportamento ocorrem de geração a geração uma vez que o código genético não é alterado? Estaria Lamarck correto em suas afirmações sobre a influência do ambiente na genética?

No caso do estudo relatado, observações do genoma dos filhotes mostraram alterações na expressão dos genes promotores de GRs (glucocorticóides) como também dos promotores de receptores GABAérgicos. Ambos os tipos de genes sofreram metilação no DNA ou deacetilação de histonas. A adição do grupo metil ao DNA ou a perda do grupo acetil nas histonas (proteínas que envolvem o DNA) intensificam a condensação da fita de DNA e assim, impedem a transcrição do RNAm bem como sua tradução – necessária para a síntese proteica. Em outras palavras, os genes foram silenciados. A baixa produção de glucocorticóides e GABA caracterizam um perfil comportamental vulnerável a eventos estressores.

Em humanos, mecanismos epigenéticos similares foram observados em estudos sobre maus tratos e negligência nos primeiros anos da infância e relacionados com o neurodesenvolvimento do espectro autista, esquizofrenia, alto risco de suicídio, doença de Alzheimer, Transtorno Depressivo Maior, Transtorno de Personalidade Bipolar e Borderline entre outros.

Mecanismos epigenéticos ocorrem durante toda a vida e são reversíveis. A psicoterapia tem sido investigada como uma alternativa de mudança ambiental que participa das alterações em nosso epigenoma. Também o contato social positivo, a meditação, o trabalho voluntário, a mudança de hábitos e crenças estão relacionados com as mudanças que podemos fazer em nossa história. Escreva-a! Seus genes não são seu destino

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